Tatiana Santos
Com um estilo que mistura ritmos oriundos do Congado Mineiro, de Moçambique e sob influência do instrumentista e cantor belo-horizontino Maurício Tizumba, o grupo musical e projeto sociocultural Meninos de Minas comemorou 25 anos de criação com uma programação bem especial. No último sábado (23/11), foi exibido o documentário ‘Meninos de Minas – Antenas e Raízes (1999 a 2024)’, na tela do Espaço Cinemax. Foram meses de pesquisa, resultando em mais de 3 terabytes de arquivos, que formaram o conteúdo exibido.
No dia 26 de outubro, o projeto foi premiado um dia após os 25 anos do Meninos de Minas, pela Sociedade Internacional de Etnomusicologia (ICTM). Para celebrar, foi realizado um show no dia 25, com as mulheres do Meninos de Minas, que passaram pelo projeto ainda pequenas e hoje trilham seus caminhos de sucesso, seja na música ou em outras profissões. O Meninos de Minas chegou a ganhar também um Grammy Latino, o maior prêmio da música no mundo.
Idealizado pelo produtor cultural Cleber Camargo Rodrigues, o projeto é conhecido em Itabira e até internacionalmente. A iniciativa realiza atividades ligadas à música, com oficinas de musicalização e construção de instrumentos. A finalidade é oportunizar o desenvolvimento social, inserindo crianças e adolescentes na arte e cultura. “O que a gente fez sempre foi tentar isso. Dar oportunidade para todos igualmente, independente de onde o menino viesse. Não que escolhíamos os meninos A ou B, não. A gente trabalhava com quem queria. Então, a gente ia nas escolas, divulgava o projeto, inscrição”.
Havia uma seleção, reunião com os pais, apresentação do Estatuto da Criança e do Adolescente instruindo os responsáveis a deixarem os filhos livres para continuar ou não no projeto. “Nesse caminho todo, alguns pais já demonstraram gratidão por isso, dizendo: ‘você mudou a vida do meu filho'”, disse. O projeto já atuou com mais de 4 mil alunos no Brasil e no exterior. Milhares já participaram de oficinas, shows, tanto em Portugal, quanto Estados Unidos, na Espanha, na Alemanha. No Brasil, já houve atuação em Betim, São Gonçalo do Rio Abaixo, Santa Maria de Itabira, Juiz de Fora, Brasília, Rio de Janeiro.
Como surgiu a iniciativa
O criador contou sobre a trajetória do grupo, que segundo ele, é a ‘menina dos seus olhos’. A criação se deu quando Cléber e outros 18 agentes e produtores brasileiros estavam no estande do Ministério da Cultura de uma feira de música na Alemanha (Berlim), em 1999. Na ocasião, o Brasil seria o país homenageado no evento. Numa conversa com uma participante do evento, integrante do projeto cultural Meninos do Morumbi, que tinha atividades de música e dança, veio o ‘insight‘ para Cléber. Ele pensou que algo semelhante poderia ser feito em Itabira, com a identidade do povo itabirano.
Já com o intuito de crescimento futuro, após pensar muito, o idealizador batizou o projeto de Meninos de Minas. “Meninos do Brasil era muito, Meninos do mundo era muito, Meninos de Minas já era um negócio razoável”, explicou, Cléber, afirmando que houve a tentativa de viabilizar os trabalhos, que inicialmente não foi à frente. Mas, as portas começaram a se abrir quando o produtor se tornou superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), de 2001 a 2004. Ele conseguiu um parceiro em Belo Horizonte, que se interessou em executar e captar recursos para o trabalho caminhar. Mas, a equipe só conseguiu realizar o Meninos de Minas em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Cléber saiu da FCCDA e formatou o projeto, mas ainda assim, não conseguiu realizá-lo em Itabira, somente em Betim. O primeiro professor era nada menos que Maurício Tizumba, que já tinha carreira consolidada na música, o que ajudou o projeto a fluir e caminhar. Mas, até então, Cléber nunca conseguia viabilizar o Meninos de Minas em Itabira junto ao governo municipal. Com a atuação em Betim, o grupo recebeu um convite irrecusável. “E aí, nós tivemos um convite para ir levar os meninos para Portugal. Falei: ‘Nossa Senhora’. E tinha menino que nunca tinha saído de Belo Horizonte, de Betim, de Minas Gerais. A gente conseguiu levar, naquele ano, 29 pessoas para Portugal. E foi um arraso”, se empolgou o produtor. Foram diversos outros convites, e só em Portugal, o projeto retornou cinco vezes.
Surpresa após muito trabalho
Pouco tempo depois, após encerrar contrato em Betim, houve uma reunião com a Vale para apresentar o Meninos de Minas. Após quatro meses, Cléber nem se lembrava mais da conversa, e após percalços e desânimo, veio a resposta da mineradora que ele tanto aguardava: “Vamos patrocinar o projeto. Nós vamos patrocinar o projeto integral. Em menos de 15 dias eles já estavam portando, sem nem ter o contrato assinado. Um dos negócio mais mágico que aconteceu na minha vida, nesse sentido”, recordou. Daí, o governo municipal também auxiliou e o projeto deu uma guinada com os apoios.
O mundo é um destino muito próximo para o grupo, que viajou vários países levando a sonoridade mineira, por meio músicas e oficinas. Até mesmo mestres congadeiros foram levados pelo projeto a destinos internacionais, como os Estados Unidos. “Fizemos a primeira missa conga dos Estados Unidos, numa catedral. Essa missa foi comandada por um padre angolano que não sabia nada dessa missa Conga. Um dia antes, quase que a missa ia ser cancelada, porque algumas pessoas não sabiam o que era e acharam que não era coisa que podia ser feita naquela catedral, naquela igreja”. Através dos materiais mostrados à equipe do templo, todos gostaram, tanto que estudantes, pedestres que passavam pela parte de fora do local chegavam na janela, maravilhados. Com uma história de 25 anos de lutas, muito trabalho, ensinamentos, aprendizado é certo que o projeto Meninos de Minas irá ainda mais longe.