Especialistas avaliam que é necessária uma análise mais ampla do ambiente em que o aluno está inserido — algo que vai além dos muros da escola
Vigilantes armados em escolas municipais de Belo Horizonte. É o que prevê um projeto de lei que tramita na Câmara Municipal da capital mineira. A proposição, apresentada pelos vereadores do Partido Liberal (PL) — Pablo Almeida, Sargento Jalyson, Uner Augusto e Vile —, busca alterar a lei que institui o Sistema Integrado sobre Violência nas Escolas da Rede Municipal, possibilitando a adoção de meios ostensivos no combate à violência. Especialistas das áreas da educação e da segurança avaliam que a redução da violência nas unidades escolares não se resolve apenas com a presença de armas, mas sim com uma análise mais ampla do ambiente em que o aluno está inserido — algo que se estende para além dos muros da escola. Na última semana, uma adolescente de 14 anos foi morta dentro de uma escola em Uberaba, no Triângulo Mineiro e uma professora de Belo Horizonte foi agredida por um aluno também dentro de uma unidade de ensino.
O projeto de lei torna obrigatório o reporte automático, em até cinco dias, de episódios de violência nas escolas ao Ministério Público, ao Conselho Tutelar e às secretarias municipais de Educação e Segurança Pública. Pais ou responsáveis pela vítima também devem ser comunicados. Esse é um dos pontos que, segundo o vereador Pablo Almeida (PL), demonstra que a proposição “enxerga o tema da violência em 360º graus”.
“A violência passa a ter um conceito abrangente e transversal, o que permite estabelecer meios diversos e integrados de combate a todas as suas formas, seja física, verbal ou mesmo confessional. O projeto atuará com base em dados, uma ideia racional de políticas públicas baseadas em evidências. Por isso, estabelecemos o mecanismo de report, que obriga a comunicação de atos de violência pelas escolas às autoridades e aos pais da criança. A partir dos dados coletados poderá se detectar a demanda por esse ou aquele tipo de combate à violência e, a partir daí, buscar a oferta do meio neutralizador que poderá ser o ostensivo e até mesmo por meio da vigilância armada”, afirmou.
A presença de vigilância armada nas escolas da rede pública de BH se justifica, segundo os vereadores autores da proposta, diante dos fatos registrados recentemente. Em junho de 2024, por exemplo, um estudante de 13 anos esfaqueou dois colegas dentro da Escola Municipal Governador Carlos Lacerda, no bairro Ipiranga, região Nordeste de Belo Horizonte. As vítimas foram uma menina de 12 anos e um menino de 13.
Na época, a garota contou aos policiais militares que estava sentada na mureta do pátio da escola, durante o intervalo, quando o suspeito se aproximou por trás e a golpeou com uma faca. A vítima de 13 anos, que estava ao lado dela, tentou ajudá-la, mas acabou esfaqueado na mão direita. Ambos conseguiram correr e buscar ajuda na sala da diretoria. Questionado, o agressor afirmou não se lembrar exatamente do que aconteceu e se recusou a dizer o motivo do ataque. Ele foi apreendido e levado para o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional, no bairro Barro Preto, região Centro-Sul de BH.
A disponibilização de vigilante armado se dará, conforme esclarece Almeida, “a partir da realidade [da escola] e do seu contexto”. “Abre-se a possibilidade de que haja um vigilante armado, podendo esse ser oriundo da atividade pública, como uma guarda Municipal, ou ainda privado, que deve ser contratado por licitação”, diz, enfatizando que a proposição está alinhada com os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que preconiza a proteção integral de crianças e adolescentes e visa criar um modelo de escola que seja, acima de tudo, um espaço de aprendizado, convivência e desenvolvimento pessoal.
“O que o projeto trata é o combate da violência permitindo que, a partir dos dados, sejam dimensionadas e estabelecidas medidas efetivas, que podem ser as ostensivas ou não. Por fim, a proposição contou com ampla receptividade, sendo também bem recebida pelos meus pares na comissão de Legislação e Justiça, que aprovaram o relatório sobre sua Constitucionalidade, Legalidade e Regimentalidade”, complementa Almeida.
Antes de ser levado ao plenário para votação, o projeto de lei precisa ser apreciado pelas comissões de Direitos Humanos, Habitação, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor; Administração Pública; e Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo.
Análise
A violência nas escolas, segundo especialistas, precisa ser tratada de forma mais ampla e não de maneira individualizada — como, por exemplo, por meio da utilização de vigilância armada. “A armadilha desse tipo de proposta é assumir que a presença dessas ações mais reativas é suficiente para acabar com os problemas de violência no contexto escolar. Ou seja, individualizar as respostas para esse tipo de problema. Quando, na verdade, a violência em uma instituição como a escola, em geral, está bastante relacionada às características do tipo de socialização que é estabelecida, ao estilo de direção do gestor escolar, ao perfil das famílias dos alunos que frequentam a instituição. Tudo isso são variáveis importantes que afetam o que é considerado violência na escola”, afirma a pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da UFMG, Valéria Cristina de Oliveira.
As experiências internacionais, conforme relata Valéria, mostram que a presença de armas nas escolas não é sinônimo de um ambiente mais seguro. “O que sabemos sobre armas em escolas vem muito do que os Estados Unidos fazem em relação a isso. A partir do momento em que os ataques e os massacres armados se tornaram frequentes nas escolas, houve um movimento de criação de políticas para levar profissionais de segurança privada para dentro do ambiente escolar em tempo integral. Em paralelo, surgiram projetos voltados para a melhoria da convivência nas escolas, baseados na presença de armas com profissionais de segurança e, em alguns casos, até com os próprios profissionais da educação. A autorização para o uso de arma de fogo nas escolas passou a ser tratada como política pública. O que se observa é que continua havendo um número muito elevado de casos de violência armada em escolas norte-americanas, mesmo após a adoção de todas essas políticas. Esse número vem diminuindo ao longo do tempo, mas essa redução não está relacionada à presença das armas, e sim a outras intervenções associadas”, pontua.
A especialista sugere, como forma de garantir escolas mais seguras, que se tenha um olhar atento para o cuidado com os espaços escolares. “É preciso oferecer um bom trabalho de segurança na entrada e saída dos alunos, no entorno das escolas. Saber quem frequenta esses ambientes é essencial, inclusive para os profissionais da educação que atuam na região. Esse trabalho pode ser feito pela Polícia Militar e pela Guarda Civil Municipal. A polícia que atua em um segundo nível é a Polícia Civil, nossa polícia judiciária. Ela é responsável por conduzir investigações e, junto ao Ministério Público, exerce um papel fundamental no monitoramento das esferas que têm relação com a escola, mas que não estão presentes ali o tempo todo. Por exemplo, pode atuar no levantamento de perfis em redes sociais de usuários que falam, estimulam ou planejam ataques às escolas — ou não apenas às escolas, mas que envolvem crianças e adolescentes como potenciais vítimas ou agressores de seus colegas, docentes e equipes pedagógicas. Esse trabalho de inteligência é extremamente importante.”
Valéria destaca ainda que muitos dos ataques cometidos nos últimos tempos, no Brasil e no mundo, envolveram estudantes que planejaram as ações em redes sociais, trocando mensagens em grupos. “Ou seja, há rastros, evidências, que poderiam ter sido identificadas para evitar que aquele caso acontecesse. Se o agressor chegou até a escola, a presença de um profissional armado pode até representar um fator de contenção, mas não necessariamente será capaz de impedir o crime — porque, nesse momento, o crime já está em curso. O ideal seria que essa pessoa motivada sequer chegasse à escola com o objetivo de cometer um ato violento. A segurança tem muito a contribuir nesse campo da prevenção.”
Riscos
A psicopedagoga e doutora em Neurociências Ângela Mathylde afirma que a presença de guarda armada nas escolas, embora compreensível, não se mostra uma estratégia eficaz ou recomendável para garantir a segurança e a qualidade educacional.
“O caminho mais consistente, à luz da ciência e das políticas públicas, é fortalecer a escola como espaço de escuta, vínculo e cuidado, promovendo a prevenção da violência por meio da inclusão, da empatia e da presença ativa do Estado nas dimensões pedagógica e social”, afirma.
Veja os possíveis riscos da presença de guarda armada, segundo Ângela:
- Aumento do estresse e da ansiedade em estudantes e profissionais;
- Risco de uso indevido da arma ou de acidentes;
- Desvio de recursos educacionais para a segurança repressiva;
- Estigmatização das escolas públicas como ambientes perigosos;
- Redução da autoridade pedagógica em favor da autoridade armada.
“Investir em educação socioemocional, formação de professores e acolhimento é mais eficaz, a longo prazo, do que investir em armas dentro do ambiente escolar”, conclui.
FONTE: OTEMPO