Careca do INSS, desvios, carrões: o que se sabe sobre fraude em desconto de aposentadorias e pensões

Agentes da Polícia Federal (PF) apreenderam carros de luxo durante cumprimento de mandados de busca e apreensão no âmbito da operação que investiga fraudes no INSS. Foto: PF / DIVULGAÇÃO

Parte do segredo de Justiça da apuração foi derrubado nesta segunda-feira (28), tornando público provas apresentadas pela PF e CGU

 Ex-diretores do INSS e pessoas relacionadas a eles receberam mais de R$ 17 milhões em transferências de indivíduos apontados como intermediários das associações que faziam descontos ilegais nos contracheques de aposentados e pensionistas.

Esta é apenas uma das informações que constam em relatório da Polícia Federal (PF) que convenceu a Justiça a expedir mandados de buscas, apreensão e prisão para a Operação Sem Desconto, desencadeada na semana passada.

A Operação Sem Desconto levou à demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e de outros integrantes da cúpula do órgão, que foram afastados das funções por ordem judicial. Desde então, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, balança no cargo.

Parte do segredo de Justiça da investigação foi derrubado nesta segunda-feira (28). Com isso, foram tornados públicos provas levantadas pelos investigadores e dados que dimensionam os prejuízos causados pelo esquema criminoso.

Veja abaixo quem são os demais dirigentes do INSS sob investigação e algumas das acusações da PF contra eles: 

  • Virgílio Oliveira Filho, ex-procurador do INSS:  empresas ligadas a ele e à esposa receberam mais de R$ 11 milhões de “intermediárias”. A mulher ganhou um  Porsche Taycan, avaliado em R$ 500 mil. A PF ainda aponta que Virgílio “teve um incremento patrimonial de R$ 18.330.145,18 advindo da ‘farra do INSS’”.
  • Alexandre Guimarães, foi diretor de Governança, Planejamento e Inovação do INSS no governo Bolsonaro e deixou o cargo no início do governo Lula: teria recebido R$ 313 mi por meio de uma empresa própria.
  • André Paulo Félix Fideli, ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS: Pessoas e empresas relacionadas a  ele receberam R$ 5,1 milhões. Um dos beneficiados no esquema foi Eric Fidelis, filho de André Fidelis, segundo a PF.

A PF apreendeu ao menos R$ 41 milhões em bens e valores durante a operação Sem Desconto. Foram apreendidos ainda:

  • R$ 1,734 milhão, entre reais e moedas estrangeiras;
  • 61 veículos, avaliados em R$ 34,5 milhões;
  • 141 joias, que tiveram o valor estimado em R$ 727 mil.

Agentes também recolheram máquinas, equipamentos e obras de arte.

Lobista é apontado pela PF como intermediário

Grande parte do volume de dinheiro entre as entidades investigadas e os servidores do INSS foi intermediado pelo lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, de acordo com a PF, que se dirige a ele como “Careca do INSS”.

No relatório apresentado à Justiça, Antunes aparece como sócio de 22 empresas, sendo que 19 foram criadas a partir de 2022 e ao menos quatro estão envolvidas e são usadas no esquema criminoso.

A PF ressalta que parte das empresas de Antunes tem personalidade jurídica Sociedade de Propósito Específico (SPE), que permite “blindar” os verdadeiros sócios controladores.

Todas as empresas em nome de Antunes têm o mesmo endereço, telefone, valor de capital social e registro de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).

À Justiça, a PF diz que o “Careca do INSS”, movimentou R$ 53,5 milhões provenientes de entidades sindicais e de empresas relacionadas às associações.

Deste total, R$ 48,1 milhões diretamente de entidades associativas e R$ 5,4 milhões de intermediárias ligadas a essas entidades, como consta no relatório da investigação.

O “Careca do INSS” recebia uma comissão de 27,5% sobre cada valor descontado de aposentados pelas associações para as quais atuou, de acordo com a PF.

Policial federal está entre os investigados

Além de ex-dirigentes do INSS, o policial federal Philipe Roters Coutinho é investigado no esquema de descontos ilegais do INSS. Tendo ingressado na PF em 1997, ele estava lotado no aeroporto de Congonhas, quando foi alvo de busca e apreensão para “esclarecer sua participação”. 

Philipe Coutinho aparece em imagens do circuito de segurança de Congonhas dando uma carona a dois investigados pelas fraudes no INSS. Prints e descrições dos vídeos constam no relatório da PF que desencadeou na Operação Sem Desconto.

Em uma das imagens, de 28 de novembro de 2024, Philipe Coutinho encontra Virgílio Filho, então procurador do INSS, e Danilo Berndt Trento, na área de embarque do aeroporto. Philipe conduz Trento e Virgílio a saírem pela porta de acesso ao desembarque remoto.

Danilo Trento ficou conhecido nacionalmente em 2021, quando era diretor da Precisa Medicamentos e foi alvo da CPI da Covid no Senado no caso envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde.

Trento também é investigado pela PF por ter recebido R$ 990 mil em pagamentos feitos pelo empresário Maurício Camisotti, suspeito de usar laranjas para operar três entidades que faturaram, juntas, R$ 580 milhões com descontos sobre aposentadorias.

“Destaca-se que a área de embarque e desembarque remoto é de circulação restrita, acessível apenas para quem embarca ou desembarca via ônibus ou para quem presta serviço dentro do aeroporto, com a devida autorização legal. Não obstante isso, observa-se que Philipe Roters conduz Virgílio e Danilo por toda a área restrita”, observa a PF.

A PF chama a atenção para o fato de os três terem embarcado em uma viatura Polícia Federal, “para uso exclusivo em serviço por policiais federais”. A carona foi em direção ao embarque de aviões privados. Dez minutos depois da carona, o avião decolou.

“Sobre o agente de Polícia Federal Philipe Roters Coutinho, além da ilegalidade da conduta acima apresentada, possui, assim como diversos investigados, movimentações em viagens com perfil de compra atípico, consubstanciadas em deslocamentos com compra de passagens ‘em cima da hora’ e voos ‘bate/volta’, principalmente para Brasília”, diz a PF.

Roters foi ser afastado da função por decisão judicial, no desencadeamento da Operação Sem Desconto. O policial federal, assim como Antunes e outros citados, não havia se pronunciado até a mais recente atualização desta reportagem. 

Por meio de nota, a defesa de André Fidélis disse que ainda não teve acesso aos autos do processo e por isso não irá se manifestar sobre o mérito das investigações.

Alexandre Guimarães negou que tenha recebido dinheiro do “Careca do INSS”, assim como os demais citados.

Confira passo a passo da investigação, como funcionava o esquema, os valores e as entidades beneficiadas:

  • Entidades investigadas: associações e sindicatos com acordos que permitem o desconto de mensalidades na folha do INSS, desde que autorizados pelos aposentados e pensionistas, em troca de benefícios como plano de saúde e desconto em farmácia.
  • Quantia desviada: A Controladoria Geral da União (CGU) identificou que descontos como esses, inseridos sem autorização, somaram R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024. O esquema começou no governo de Jair Bolsonaro (PL) e continuou no de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
  • Quanto era descontado: As 11 entidades investigadas geraram um desconto médio de R$ 39,74 de cada aposentado só entre janeiro de 2023 e maio de 2024, segundo a auditoria da CGU. Desconto não autorizado em sua absoluta maioria, segundo a investigação.
  • Aumento nas contribuições: Houve salto de 2.011% no volume de contribuições, de 2019 a 2023, para oito das associações investigadas. No total de entidades, a alta foi de 115%.
  • Atendimento prejudicado: Auditores afirmam que os descontos ilegais causam impacto na fila do INSS e atrasam o atendimento no órgão. Beneficiários procuram o órgão para cancelar as mensalidades, o que aumenta a demanda dos servidores.
  • Custos das operações para o INSS: O relatório também estimou o impacto financeiro dos descontos irregulares. Segundo a auditoria, o INSS registrou prejuízo de R$ 5,9 milhões com os custos das operações. 

Contag é apontada como grande beneficiária da fraude

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) foi uma das entidades mais beneficiadas pelo esquema. Ainda de acordo com a PF, o INSS deu aval para a consignação da mensalidade em 34.487 benefícios a partir de uma lista encaminhada pela entidade ao instituto.

Na condição de presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, escolhido por Lupi para o cargo, foi um dos dirigentes do órgão que assinaram a autorização, mesmo após a Procuradoria do INSS ter emitido um parecer contrário.

No último sábado (26), reportagem do Jornal Nacional mostrou que Lupi foi alertado sobre os descontos ilegais em massa nos contracheques dos beneficiários do INSS 10 meses antes de o governo começar a tomar providências para barrar as fraudes.

Em julho de 2024, a CGU enviou à direção do INSS a auditoria com as reclamações feitas contra as 11 associações suspensas pela Justiça após a operação da PF. Outras 12 entidades receberam, ao menos, mil reclamações no período.

INSS recebeu quase 2 milhões de pedidos para excluir descontos 

O INSS recebeu 1,9 milhão de pedidos para exclusão das mensalidades ou bloqueio ou desbloqueio dos pagamentos, representando 16,6% dos requerimentos que chegaram ao órgão, entre janeiro de 2023 e maio de 2024.

O número consta em auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU). Auditores apontaram que 90% dos requerimentos descrevem que o beneficiário não autorizou a inclusão do desconto, mas foram colocados no sistema do órgão para desconto.

Entre abril e julho de 2024, a CGU realizou entrevistas, em todos os Estados, com beneficiários que têm descontos em folha. Segundo o órgão, dos 1.273 entrevistados, apenas 52 deles confirmaram filiação às entidades, e apenas 31 autorizaram os descontos.

Em outra amostragem, a CGU entrevistou 35 beneficiários do INSS, no município de Raposa (MA), entre 15 e 19 de abril do ano passado. Todos os entrevistados afirmaram que não conhecem as associações e não autorizaram os descontos nos benefícios.

Em nota divulgada após a Operação Sem Desconto, o INSS declarou que, das 11 entidades investigadas, somente uma teve acordo assinado em 2023. Segundo o órgão, “os descontos vinham ocorrendo em governos anteriores”.  

Após a deflagração da operação, o INSS suspendeu todos os descontos oriundos dos acordos com as entidades. Para reaver o dinheiro retroativo aos anos anteriores, a Advocacia-Geral da União (AGU) montou um grupo para buscar a reparação dos prejuízos.

O governo federal informou que irá devolver na próxima folha de pagamento descontos referentes ao mês de abril.

FONTE: OTEMPO

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