Cidades com mineração gastam 40% a mais com saúde, conclui relatório do TCE-MG

Em Antônio Pereira, moradores sofrem com a poeira que emana das obras de descomissionamento de uma barragem Foto: FRED MAGNO / O TEMPO

Órgão analisou dados de 20 municípios com presença de mineradoras, encontrando maiores gastos com saúde e, até mesmo, uma taxa de mortalidade superior

O pó que sobe durante as obras de descaracterização de uma enorme barragem de rejeitos de minério — e de cada um dos caminhões que transitam pela cidade ao longo da obra — tem um impacto claro na vida dos moradores de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, na região Central de Minas: o aumento em problemas de saúde e, consequentemente, também dos gastos com medicamentos e outros produtos para amenizar os impactos na vida de idosos, adultos, crianças e, até mesmo, animais de estimação. A realidade, denunciada por uma moradora da pequena comunidade ouro-pretana, é corroborada por um relatório produzido pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG), que apontou para um gasto 40% maior com saúde nas cidades com mais extração de minério de ferro em Minas Gerais. 

Com objetivo de entender se o recebimento de recursos da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) melhorou a qualidade da vida da população que convive com a atividade, o relatório “Saúde pública e mineração de ferro: uma análise comparativa no Estado de Minas Gerais” comparou dados dos 20 municípios mineiros que mais receberam os repasses com outras 328 cidades sem nenhuma atividade mineradora. 

Os 20 municípios analisados no estudo foram selecionados por serem aqueles que, juntos, receberam 98,57% dos recursos do CFEM, sendo eles: Antônio Dias, Barão de Cocais, Bela Vista de Minas, Belo Vale, Brumadinho, Catas Altas, Conceição do Mato Dentro, Congonhas, Igarapé, Itabira, Itabirito, Itatiaiuçu, Mariana, Mateus Leme, Nova Lima, Ouro Preto, Rio Acima, Santa Bárbara, São Gonçalo do Rio Abaixo e Sarzedo. 

Juntas, essas duas dezenas de cidades totalizaram uma receita de R$ 295,5 milhões em 2024. O valor representa sete vezes mais que a verba dos mais de 300 municípios do grupo de controle, que somaram R$ 40 milhões de recursos no mesmo ano. O levantamento constatou ainda que os moradores das cidades mineradoras também apresentaram uma receita per capita quase duas vezes maior (R$ 12 mil contra R$ 6,9 mil nas demais), o que, para o TCE-MG, indica que estas cidades são “economicamente mais favorecidas”. 

Porém, a “bonança” dessas cidades não se reflete no bem-estar de seus moradores, que precisam gastar mais para manter a população saudável. O Tribunal se deparou com dados que mostram um maior gasto com a saúde de habitantes das cidades mineradoras em comparação com o valor despendido em municípios onde não há a atividade. Casos de doenças do sistema respiratório, dos olhos e ouvidos são as mais recorrentes. 

Conforme o documento, o gasto médio per capita com saúde nestas 20 cidades foi de R$ 3,5 mil, enquanto, nas cidades sem mineração, a quantia gasta foi de R$ 2,5 mil, uma diferença de 37,7%. A discrepância também é clara nos gastos com internações por problemas respiratórios destes municípios, que foi de R$ 1,2 mil contra R$ 886 naqueles que não receberam nenhum valor do CFEM, uma disparidade de 35,7%.

Essa elevação ocorre de forma ainda mais drástica (70%) nas internações por doenças do olho, ouvido e na chamada apófise mastoide. Nesta categoria, as cidades com mineração tiveram um gasto médio de R$ 1,5 mil contra cerca de R$ 900 nos outros municípios de controle. 

O pesquisador Mariano Andrade da Silva, que é membro do Observatório de Desastres da Mineração – Gestão de Risco e Direitos Humanos, projeto coordenado pela Fiocruz Minas, explica que o maior gasto com saúde não significa que estas cidades têm equipamentos e estruturas melhores. “Um dado muito relevante, que nos chama atenção, é que o próprio processo minerário vem gerando problemática de saúde, por mais que exista uma compensação financeira. O próprio relatório do TCE-MG demonstra que o maior valor investido não necessariamente responde a uma qualidade de saúde melhor”, aponta. 

No documento, o tribunal aponta que os municípios mineradores estão investindo mais recursos em saúde “possivelmente para lidar com os desafios adicionais associados à atividade”. “Porém, é importante garantir que esses investimentos adicionais estejam sendo utilizados de forma eficiente e efetiva, de modo a refletir na melhoria geral de todos os indicadores de saúde”, conclui o relatório. 

‘Vivemos em um canteiro de obras’, diz moradora

Uma moradora de 42 anos do distrito de Ouro Preto, que pediu para não ser identificada, conta que há anos a população de Antônio Pereira sofre com problemas respiratórios decorrentes do excesso de poeira produzida na comunidade, que, em suas palavras, se tornou um “canteiro de obras”. “É veículo para lá e para cá, muito barulho, muito trânsito de pessoas. É muito comum termos tosse alérgica. Quando pegamos alguma virose, demoramos mais para curar os sintomas porque a qualidade do nosso ar não é boa. Nossos gastos com medicamentos e produtos para o sistema respiratório é grande. Até mesmo os nossos animais de estimação sofrem constantemente com os efeitos do ar, precisando ser medicados com antialérgicos”, detalha. 

Questionada se o grande valor recebido de CFEM traz uma melhora nos serviços públicos oferecidos à população da cidade, a moradora é clara em dizer que não. “Os atendimentos na rede de saúde estão péssimos, inclusive com ausência de profissionais qualificados para resolver as demandas de Antônio Pereira. A situação aqui é grave”, diz, desesperançosa, a mulher. 

A Prefeitura de Ouro Preto foi procurada pela reportagem acerca das reclamações da moradora sobre o atendimento médico no distrito de Antônio Pereira. Até a publicação, o município ainda não tinha se manifestado. 

 Situação exige maior monitoramento ambiental, diz especialista
Os impactos do pó do minério na saúde da população demandam, segundo o pesquisador Mariano Andrade da Silva, que o Estado aumente a fiscalização acerca dos impactos ambientais da mineração. Em janeiro deste ano a Fiocruz divulgou o resultado de um estudo acerca dos impactos na saúde das populações que vivem próximo das obras de remoção dos rejeitos da barragem que, em 2019, matou 272 pessoas em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Depois de seis anos acompanhando essa população, os pesquisadores da entidade identificaram metais pesados, como arsênio, mercúrio e chumbo, em 100% das crianças que vivem na região mais impactada da cidade mineira. 

“A poluição atmosférica gerada, não só onde há mineração ativa, mas em todo o seu entorno – devido ao fluxo de caminhões, por exemplo – condiciona uma situação de exposição ambiental diferenciada para essas populações. Acho que esses achados, tanto da Fiocruz, em Brumadinho, quanto do TCE-MG nestas cidades, apontam para uma necessidade de um monitoramento ambiental mais efetivo para esses territórios”, pontua Mariano Andrade da Silva. 

Ainda segundo o pesquisador da Fiocruz, essa fiscalização maior não deve se restringir à poluição atmosférica, mas em todas os impactos que a mineração costuma gerar, como no sistema hídrico e no subsolo. “São recursos utilizados pela população e que denotam uma situação de exposição, levando à necessidade de um monitoramento mais efetivo da saúde, para que esses fatores sejam identificados e que o setor de saúde consiga mobilizar os recursos necessários para acolher essa população”, completa.

Estado apoia pesquisa sobre o tema

Procurado pela reportagem de O TEMPO, o governo de Minas informou, por nota, que, em 2024, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) anunciaram um apoio financeiro a projetos de pesquisa científica, tecnológica e/ou de inovação com o objetivo de potencializar “a atenção à saúde no contexto de exposição a elementos contaminantes decorrentes da atividade minerária”. 

“Destinada às Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTMG) sediadas em Minas Gerais e cadastradas junto à Fapemig, a chamada, com resultado das entidades, publicado em abril deste ano, visa incentivar a apresentação de propostas que contribuam para o desenvolvimento de estratégias que irão nortear políticas públicas de saúde”, concluiu o Estado. 

FONTE: OTEMPO

Está gostando do conteúdo? Compartilhe!
Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Telegram

Ultimas Notícias

Cantor Léo, dupla de Raphael, tem rosto queimado por máquina em rodeio

Artista foi atingido por chamas de máquina de efeitos especiais em evento de rodeio em Pontal, mas...

Atleta itabirano pede ajuda para participar de Campeonato Mineiro de Downhill

Tatiana Santos Destaque por sua participação em competições de Downhill pelo país, o atleta...

Rússia lança 479 drones contra a Ucrânia, no maior bombardeio noturno da guerra

Cerca de 20 mísseis de vários tipos também foram disparados contra diferentes partes do país A...